Please use this identifier to cite or link to this item:
https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/prefix/17673
metadata.dc.type: | Livro |
Title: | O percurso racional dos vereditos: dever de motivação e controle epistêmico no tribunal do júri |
Authors: | Suxberger, Antonio Henrique Graciano (org.) Piedade, Antônio Sérgio Cordeiro (org.) Freire Júnior, Américo Bedê (org.) |
Abstract: | O livro que ora chega ao público especializado é fruto de uma colaboração em rede de pesquisadoras e pesquisadores, que igualmente atuam no sistema de justiça criminal, comprometidos com a qualificação do Tribunal do Júri brasileiro. Nasce sob o signo de um desafio central ao processo penal contemporâneo: como garantir que vereditos proferidos com base na íntima convicção dos jurados — e protegidos pelo sigilo das votações — possam ser controlados, compreendidos e legitimados à luz das exigências democráticas do dever de motivação das decisões? A obra se propõe justamente a contribuir com respostas propositivas e teoricamente bem fundamentadas para essa questão, sem renunciar à tradição do Júri, mas também sem hesitar em exigir sua compatibilização com os marcos constitucionais e convencionais que hoje balizam o processo penal. Este livro, intitulado O Percurso Racional dos Vereditos: Dever de Motivação e Controle Epistêmico no Tribunal do Júri, tem sua oportunidade de lançamento – e discussão – no marco do seminário intitulado La senda racional de los veredictos, realizado na cidade de Girona, na Espanha, como atividade integrante da 2nd Michele Taruffo Girona Evidence Week, que tem lugar na bela cidade de Girona e observa organização da Cátedra de Cultura Jurídica da Universidade de Girona. A oportunidade não poderia ser mais significativa. O seminário reúne especialistas de diferentes tradições jurídicas para discutir os limites da íntima convicção e os mecanismos de controle epistêmico no julgamento por jurados. A obra aqui apresentada responde, com densidade e pluralidade de perspectivas, a exatamente esses temas, sendo, portanto, um reflexo maduro e aprofundado do debate que motiva o próprio evento de lançamento. Trata-se de uma publicação coordenada por professores vinculados ao Centro Universitário de Brasília (CEUB), à Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e à Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Reúne autores de diversas regiões do Brasil, todos vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu em Direito. É um esforço que reforça o compromisso acadêmico com a racionalidade das decisões penais, sem descuidar dos direitos fundamentais dos acusados, das vítimas e da sociedade. O livro surge como o produto coletivo dos esforços empreendidos por três grupos de pesquisa: “Políticas Públicas e Justiça Criminal” (CEUB), “Tutela Penal dos Bens Jurídicos Difusos” (UFMT) e “Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional” (FDV) – todos devidamente cadastrados no DGP da Capes e liderados pelos organizadores da presente obra. Para sua elaboração, seguidamente à formalização da proposta de seminário como atividade integrante do evento internacional em Girona, os organizadores divulgaram edital de chamada dos trabalhos. Os artigos – todos inéditos e especialmente produzidos para o presente livro – foram apresentados e submetidos a revisão dupla por pares (double blind peer review), conduzida pelos organizadores da obra. As reflexões delineadas no presente livro partem da seguinte provocação. O tribunal do júri é uma conformação procedimental presente em muitos países para o julgamento de crimes. Sua presença é verificada em países de tradição de civil law, assim como em países de common law. As características históricas do tribunal do júri se apresentam ora com um sistema de íntima convicção por vereditos com deliberação, ora como uma decisão de íntima convicção sem deliberação. É o caso, entre muitos, do Brasil e da Nicarágua – cujos ordenamentos expressam que os jurados decidem a partir de quesitos (perguntas) formulados pelo juiz e sem deliberação. Antes, ao contrário, os jurados são incomunicáveis desde seu recrutamento no tribunal (o chamado voir dire) até o veredito. Estariam eles, os jurados, livres do dever de motivar suas decisões por isso? A particularidade presente em ordenamentos de veredictos por íntima convicção dos jurados não significa, pela inexistência de uma formalização expressa de motivação, a aceitação de que a decisão possa se apresentar como resultado de uma valoração arbitrária das provas e, portanto, uma decisão final igualmente arbitrária. A exigência do dever de motivação – e os tribunais do júri não são uma exceção a esse dever – determina que o julgador realize uma valoração racional das provas. A valoração da prova se configura em termos racionais e logicamente verificáveis, em particular apoiando-se no raciocínio da resolução de fato. Esta consideração se apresenta como exigível e aplicável igualmente aos tribunais do júri. Ou seja: a soberania dos jurados, para a determinação dos fatos, não significa que eles possam decidir sem o escrutínio do caminho ou rota racional que lhes permitiu concluir por uma condenação ou absolvição baseada nas provas. Portanto, o dever de motivação está presente igualmente nos julgamentos por jurados que decidem por íntima convicção? O dever de motivação se dirige somente ao acusado ou é uma garantia igualmente necessária para atender à expectativa de acesso à justiça das vítimas por violação de seus direitos? Desde a conformação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais do júri, como se faz o controle de fundamentação nos ordenamentos de íntima convicção dos jurados? Alguns temas são delineados, assim, a partir desses questionamentos: • A quem se dirige o dever de motivação das decisões? O dever de motivação é uma garantia apenas do acusado ou há uma vinculação de sua existência com a expectativa de acesso à justiça pelas vítimas dos crimes? • Desde uma perspectiva dos ordenamentos de tribunais do júri, sem deliberação e caracterizados pela íntima convicção, como se faz o controle de fundamentação das decisões? • O controle de fundamentação das decisões se faz pelo registro das teses submetidas aos jurados? • Quais são os limites de atuação do juiz ao instruir os jurados? O papel de orientar os jurados pode trazer o risco de influenciar os jurados? Pode ser que a orientação do juiz implique uma violação da integridade do júri para estabelecer sua valoração dos fatos? • É possível indicar contribuições do diálogo entre Cortes Transnacionais para a compreensão do tribunal do júri nos países de veredicto por íntima convicção? O controle de convencionalidade e a jurisprudência nos sistemas americano e europeu de proteção dos direitos humanos podem fixar os eixos de compreensão para interpretação e conformação dos ordenamentos internos dos países? Como fazer isso em relação a diferentes contextos, tradições e culturas jurídicas? O tema do controle da arbitrariedade das decisões dos jurados se apresenta como atual e urgente, especialmente no Brasil. No entanto, esta é uma preocupação igualmente presente em países da América e Europa. Cumpre sublinhar que 21 dos 35 países da Organização dos Estados Americanos têm, em seus ordenamentos, a conformação de tribunais criminais por júri. O modelo “clássico”, sem deliberação e veredicto por íntima convicção, é a regra entre esses países. No Brasil, o tema do controle da decisão arbitrária está presente no debate do Supremo Tribunal Federal. O tema, igualmente, está presente em casos de apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com destaque para o Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua. O caso, por sua vez, faz referência a outros da Corte Europeia de Direitos Humanos, assim como atos do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Portanto, observa-se a necessidade de situar o debate a partir de uma perspectiva do diálogo entre Cortes transnacionais, assim como a compreensão de que o dever de motivação e os instrumentos de rejeição à arbitrariedade se construam como parâmetros estabelecidos e refletidos a partir de uma abordagem racional da prova e do controle epistêmico das decisões. E foi justamente esse o esforço dos autores que prestaram suas reflexões aos artigos e, especialmente, aos debates que se implementam no evento de Girona. O primeiro capítulo, assinado por Américo Bedê Freire Júnior e Guilherme Madeira Dezem, analisa o papel do juiz presidente do Júri como gatekeeper, ou seja, como o responsável por filtrar as provas que serão submetidas à apreciação dos jurados. O artigo destaca que, dada a ausência de motivação das decisões do conselho de sentença, a atuação preventiva do magistrado se torna essencial para garantir a racionalidade do julgamento e o respeito às garantias processuais. No segundo capítulo, Antonio Henrique Graciano Suxberger discute a ausência de fundamentação nos vereditos do júri brasileiro à luz do controle de convencionalidade. O autor defende que é possível — e necessário — compatibilizar a soberania do júri com o dever de motivação, mesmo sem depender de reformas legislativas, a partir de uma leitura sistemática da Constituição e dos tratados internacionais de direitos humanos. O terceiro capítulo, de autoria de Antonio Sérgio Cordeiro Piedade e Caio Márcio Loureiro, propõe uma tríade hermenêutica como base para um processo justo no Tribunal do Júri: o constitucionalismo multinível, as obrigações processuais positivas e o princípio da plenitude da tutela da vida. Os autores argumentam que esses fundamentos interpretativos são indispensáveis para se alcançar decisões legítimas e comprometidas com os direitos fundamentais. No quarto capítulo, Douglas Fischer trata dos standards probatórios aplicáveis à pronúncia em casos de crimes dolosos contra a vida praticados por integrantes de organizações criminosas, milícias ou facções. O texto propõe critérios mais exigentes para o envio de réus a julgamento perante o júri, dada a complexidade e gravidade desses delitos. Hermes Zaneti Júnior e Graziela Argenta Zaneti, no quinto capítulo, dedicam-se à ideia da verdade processual como valor indispensável à racionalidade da decisão. Discutem os riscos do abandono da verdade como objetivo do processo penal e propõem um modelo de valoração probatória que combine coerência lógica, controle epistêmico e garantismo. O sexto capítulo, por Marcelle Rodrigues da Costa e Faria, levanta uma provocação relevante: seria o feminicídio privilegiado compatível com o sistema jurídico de proteção à mulher vigente no Brasil? A autora conclui que não, e propõe uma releitura do instituto à luz dos compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. No sétimo capítulo, Octahydes Ballan Júnior oferece uma análise precisa da racionalidade decisória no Tribunal do Júri, refletindo sobre os limites da íntima convicção e a necessidade de que o julgamento seja conduzido dentro de um marco argumentativo minimamente verificável, ainda que os jurados não sejam obrigados a motivar suas decisões. Rafael Schwez Kurkowski, no oitavo capítulo, problematiza a racionalidade das decisões judiciais que deixam de ordenar a execução provisória da pena com base no art. 492, § 3º do CPP. O autor propõe parâmetros interpretativos que assegurem o equilíbrio entre a presunção de inocência e a efetividade da decisão condenatória. O capítulo nono, assinado por Rejane Suxberger, aborda os limites do júri no enfrentamento ao feminicídio a partir da interseção entre gênero, doxa e prova. O texto denuncia como estereótipos sociais afetam a valoração probatória e defende a incorporação de uma epistemologia feminista ao processo penal. No décimo capítulo, Ronald Gomes Lopes analisa o paradoxo da íntima convicção, propondo que a soberania dos veredictos não se confunda com a legitimação do arbítrio. O autor defende que a democracia exige mecanismos mínimos de controle racional das decisões dos jurados. O décimo primeiro capítulo, em produção que reúne Simone Sibilio e Fábio Carvalho Leite, propõe a devida diligência na investigação e persecução penal como um direito da vítima nos casos de homicídio. Os autores articulam jurisprudência internacional e nacional para sustentar que a omissão investigativa configura violação de direitos humanos. No décimo segundo capítulo, Ticiane Louise Santana Pereira examina os julgamentos de feminicídio no júri como campo de disputa entre doxa e episteme. Propõem a construção de um controle racional das decisões a partir de uma perspectiva crítica e plural da prova. Enfim, o décimo terceiro e último capítulo, escrito por Vinícius Almeida Bertaia, discute os desafios probatórios enfrentados no júri. O autor analisa o peso e o valor das lacunas probatórias frente à exigência de fundamentação e aponta caminhos para um controle epistêmico eficaz, mesmo diante da ausência de motivação formal. Convidamos, assim, o leitor(a) a percorrer esta obra com o mesmo espírito com que ela foi concebida: compromisso com a razão pública, abertura para o diálogo entre sistemas jurídicos e profundo respeito às garantias do processo penal democrático. Este livro não apenas interpreta criticamente o Tribunal do Júri brasileiro, mas oferece soluções concretas para seus desafios. É, portanto, leitura indispensável a quem se dedica à construção de um sistema de justiça criminal que seja, simultaneamente, participativo, legítimo e racional. |
Keywords: | Tribunal do juri Epistemologia probatória |
Citation: | SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano; PIEDADE, Antônio Sérgio Cordeiro; FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê (org.). O percurso racional dos vereditos: dever de motivação e controle epistêmico no tribunal do júri. Brasília: CEUB, 2025. |
URI: | https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/prefix/17673 |
Issue Date: | 2025 |
Appears in Collections: | BIB - EBooks |
Files in This Item:
File | Description | Size | Format | |
---|---|---|---|---|
E-book O percurso racional dos vereditos - dever de motivação e controle epistêmico no tribunal do juri.pdf | 4.94 MB | Adobe PDF | View/Open |
Items in DSpace are protected by copyright, with all rights reserved, unless otherwise indicated.